A Constituição de 1988 possibilitou ao Estado abrir-se à participação ativa da sociedade civil em suas decisões, por meio de parcerias entre o público e o privado. Isso deu origem no Brasil o terceiro setor — expressão que surgiu nos Estados Unidos onde o primeiro setor é constituído pelo Estado, o segundo pela iniciativa privada com fins lucrativos e o terceiro é formado pela iniciativa privada, sem fins lucrativos, prestadoras de serviços públicos e que, embora independentes podem fazer parcerias com os outros dois e deles receber investimentos.

A Lei nº 91/1935 (revogada em 2015) foi a primeira a determinar as regras para as sociedades de utilidade pública, geralmente ligadas ao setor religioso. Após a constituição de 1988 a Lei nº 9637/98 qualifica as Organizações Sociais; a Lei nº 9790/99 (regulamentada pelo DL 3100/99) qualifica as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público); a Lei nº 12101/09 certifica as entidades beneficentes de Assistência Social – CEBAS) e a Lei nº 13.019/2014 estabelece o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil – MROSC

Legalmente instituído e em plena atividade, o terceiro setor ainda enfrenta a carência de normatizações regulatórias nas parcerias cujo regramento genérico ficou restrito ao artigo 116 da Lei 8.666 de 21 de junho de 1993, muito pouco para o tamanho delas, dificultado essas relações.

Por falta de normas gerais, cada representante governamental constrói o seu próprio regramento. Muitas vezes uma mesma instituição presta serviços em vários entes governamentais e em cada um deles há normas diferentes a serem cumpridas.

Essa falha estrutural compromete muito o processo de prestação de contas. Não é possível verificar, de maneira uniforme e transparente, a forma como as instituições estão prestando contas para a administração pública nem a qualidade dos serviços prestados.

Nem a Lei nº 13019 de 31 de julho de 2014 (MROSC), que definiu, nacionalmente, novas regras para as parcerias com a Sociedade Civil, alcançou a maioria dos ajustes já que em seu artigo 3º, inciso IV, excetua-se da lei os convênios e contratos de gestão celebrados com entidades filantrópicas sem fins lucrativos, ficando, portanto, fora do novo regramento.

Com a falta de um norteamento geral para as prestações de contas, as instituições precisam redobrar a atenção desde o chamamento público até os contratos, principalmente com o que pode e que não pode ser feito.

Encontramos situações em que as instituições foram surpreendidas por sanções sérias por fatos irrelevantes, mas que constavam no chamamento público ou em cláusulas contratuais. Nem todos os órgãos governamentais possuem legislação clara quanto a prestações de contas financeiras e/ou de resultados. No geral contam com cláusulas genéricas, muitas vezes confusas e equivocadas, mas que certamente serão avocadas quando a administração pública se sentir pressionada por qualquer órgão fiscalizador ou mesmo pela sociedade civil.

É comum instituições se sentirem privilegiadas em ser contratadas pelos órgãos governamentais e na ânsia de agradar o contratante deixam de observar cláusulas que lá na frente se mostrarão difíceis de cumprir sem comprometer os resultados exigidos na parceria, tornando difícil a relação e resultando muitas vezes em discussões intermináveis e prestações de contas inadequadas. Isso gera uma tensão que acaba comprometendo a prestação do serviço e a própria instituição.

Ao atender um chamamento público a instituição deve questionar e esclarecer todas as dúvidas, durante a disputa; e, após ser declarada vencedora e antes da assinatura do ajuste, deve analisar atentamente, com bases técnicas legal, contábil e financeira todas as cláusulas e anexos contratuais além de toda a legislação constante dos editais, principalmente com relação as exigências de Prestação de Contas tais como a periodicidade, bases, sistemas que serão utilizados, documentos fiscais, trabalhistas, movimentações financeiras.

Nesse processo deve-se observar se haverá, e como serão as transferências patrimoniais e de Recursos Humanos; bem como as cláusulas de rescisão contratual e, em caso de dúvida sempre questionar, por escrito, e, principalmente não deixar que a pressa em atender o contratante se transforme em “armadilhas”  que no futuro podem mudar toda a história de uma instituição.

Durante a execução do contrato, é importante cercar-se sempre de processos de serviços organizados e, se possível sistematizados, para que nunca pairem dúvidas quanto a lisura e transparência do trabalho realizado.

Vale lembrar que o primeiro e principal princípio da administração pública é o da Legalidade onde diferentemente do particular onde é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe, na administração pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. Na ausência de lei específica, tudo que está nas normas daquele órgão, inclusive cláusulas contratuais, são soberanas e devem ser seguidas à risca.

Jussara Santos Pereira Machado Silva

Contadora, administradora de saúde, mestranda em Saúde coletiva com projeto aprovado, foi Diretora Financeira do Hospital das Clínicas da FMUSP, Coordenadora Técnica Financeira do PROESF-MS (Programa de Expansão do Saúde da Família), por 2 vezes foi Diretora Técnica Financeira de Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo e Gerente Financeira da OS Santa Catarina e OS Cejam (Centro de Estudos e Pesquisas Dr. João Amorim). Jussara Machado hoje brinda consultoria nesta área à Ascencio Sistemas levando aos nossos clientes um elevado nível de Governança corporativa.